Dark Souls e D&D

Quem me acompanha no Facebook sabe que ando um tanto quanto obcecado por um certo jogo de videogame chamado Dark Souls. Para quem não conhece, Dark Souls é um RPG de fantasia medieval puxando um pouco para o dark fantasy, e é um jogo um tanto quanto polêmico por causa da alta dificuldade de desafio que impõe aos jogadores.

Mas daí eu parei pra pensar e me dei conta que Dark Souls é muito, mas muito parecido com um D&D old school, e a partir dessa constatação, concluí o motivo pelo qual gosto tanto desse jogo.

Dark Souls utiliza, dentro dessa ideia de D&D old school, parâmetros muito semelhantes tanto no que diz respeito às mecânicas que o jogo oferece quanto na ambientação.

1. o cenário é perigoso e não existe tutorial. Se existe um fato inescapável a respeito de Dark Souls é que teu personagem vai morrer. Várias vezes. Lagos envenenados, armadilhas, monstros, barris explosivos arremessados por inimigos, emboscadas em esquinas e pontos fora do ângulo de visão, chefes que te matam com um golpe… esses são apenas alguns exemplos de como Dark Souls vai te matar. Além disso, o jogador corre o risco, quer dizer, não corre o risco, ele certamente irá enfrentar e se deparar com monstros que estão muito acima do seu nível.

Por outro lado, as instruções do jogo são mínimas. A área tutorial é um “te vira”. Não existe um manual, não existe um mapa, não existe nada. Apenas o desafio. Explore, vá, conheça o mundo. E morra nesse meio tempo.

2. o jogo depende mais da habilidade do jogador do que das estatísticas do personagem. Quando comecei a jogar Dark Souls III, meu personagem tinha um ataque forte, um ataque rápido, bloqueio com escudo e defesa com escudo. Hoje, depois de 30% do jogo, meu personagem tem um ataque forte, um ataque rápido, bloqueio com escudo e defesa com escudo. Ou seja, não desbloqueou combos, poderes especiais, nada. Agora, o Fabiano que começou o jogo é muito diferente do Fabiano que joga hoje. Aprendi o tempo e alcance dos golpes da minha espada. Aprendi quanto tempo meu personagem precisa para recuperar o fôlego depois de bloquear golpes de um esqueleto gigante. Aprendi o tempo para bloquear um golpe com o meu escudo e desferir um crítico.

3. suas ações têm consequências. Matou um mercador sem querer? Azar, assim é a vida. O cara não vai voltar, tu não pode carregar um jogo anterior e fazer ele voltar. Pense antes de agir porque depois não adianta chorar.

4. explore! O mundo é cheio de áreas secretas, paredes ilusórias, locais inteiros que podem ser ignorados por jogadores menos criteriosos. Isso faz a exploração em Dark Souls muito semelhante à do D&D old school, exigindo muito do jogador.

Já o cenário é apresentado de forma muito semelhante à tradicional megadungeon. Apesar de muitas vezes o jogo se passar em uma floresta ou em uma cidade, ainda assim a estrutura de uma megadungeon se mantém:

1. corredores determinados: diferentemente de jogos como Skyrim, que te dão 360º de área para explorar entre um local e outro, Dark Souls te oferece uma experiência mais restrita, mas muito mais complexa, apresentando múltiplas formas de se chegar a um mesmo destino, áreas secretas, atalhos que permitem que o jogador atravesse boa parte de uma determinada área, muito semelhante à lendária dungeon do Castelo Greyhawk, com seus elevadores, portas que só abrem por um lado, e áreas que aparentemente se tornam irrelevantes voltam a ter importância.

2. a dungeon é “viva”: megadungeons em geral não se mantêm estáticas. Monstros reaparecem, se reorganizam, aparecem em encontros aleatórios. Dark Souls oferece uma mecânica semelhante, e o gatilho é “descansar na fogueira”. Enquanto o personagem descansa na fogueira, a dungeon reseta, monstros reaparecem, de modo que o ato de “limpar” a dungeon é uma façanha praticamente impossível de ser conquistada.

3. naturalismo gygaxiano: no D&D old school, não existe paridade entre monstros e personagens. No D&D, monstros conseguem abrir portas que são trancadas para personagens, conseguem ver no escuro, e têm uma noção a respeito dos personagens que não ocorre de forma recíproca. Como o jogador assume o papel de um morto-vivo, ele não morre definitivamente, retornando à útima fogueira como uma maldição em looping infinito, que não oferece um descanso final até que a sua busca seja concluída.

4. níveis, subníveis e temas: em Dark Souls, cada nível da megadungeon tem um tema específico: tumba, lava, floresta, cidade… semelhante ao D&D.

5. desafio e cooperação: assim como no princípio do D&D, a grande campanha compartilhada de Dark Souls é experimentada por um grande grupo de jogadores, que deixam mensagens no chão, avisando novatos, ou até se oferecem para serem convocados para o mundo de um jogador com dificuldades para auxílio.

O grande ponto é que Dark Souls, assim como uma megadungeon, não foi feito para ser fácil, mas sim para ser um desafio à habilidade, persistência, criatividade e capacidade do jogador. Dark Souls, assim como o D&D old school, não perdoa um jogador despreparado ou desinteressado. E é por isso que o considero o melhor jogo das últimas décadas.

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