Dungeons

Um dos principais elementos para uma boa sessão de D&D é uma dungeon bem feita. Parece simples, não? Afinal de contas, uma dungeon nada mais é do que salas interligadas por corredores com monstros e tesouros, certo?

Errado. Uma dungeon é muito mais do que isso.

Quando o DM começa a criar a sua dungeon, antes de entupi-la de monstros, tesouros e portas secretas, ele deve se perguntar “qual o propósito disso?”

Caso queira que o mundo, apesar de fantástico, tenha um mínimo de realismo e, acima disso, verossimilhança, o DM deve ter em mente que uma dungeon não existe só por existir. Ora, cavocar túneis em uma montanha é uma tarefa e tanto e que não deve ser encarada de forma leviana.

Salvo raras exceções, as dungeons eram fortificações criadas e, posteriormente, abandonadas ou invadidas. A partir disso, o DM deve se colocar no lugar de quem projetou e construiu a dungeon para imaginar qual seria o seu propósito. Tomemos como exemplo Moria, em O Senhor dos Anéis. Ora, Moria é a típica dungeon de um RPG de fantasia. No entanto, ela tem um propósito, tem uma história, tem um porquê dela existir.

O passo inicial é determinar onde a dungeon está, como é a sua superfície e entrada e, mesmo que superficialmente, a sua história. Dentro disso estão os dois ingredientes principais: a idade da dungeon e quem a construiu. A idade é um fator importante, especialmente quando se considera o lapso de tempo entre a última vez que a dungeon serviu o seu propósito inicial e o dia em que os aventureiros adentram nela. Isso ajuda a determinar que tipo de itens mágicos e, eventualmente, artefatos o grupo poderá encontrar uma vez lá dentro.

O construtor da dungeon é um elemento importantíssimo, especialmente sua raça, posição social e alinhamento, para se determinar quantos níveis da dungeon serão dedicados exclusivamente para seu uso, bem como qual seria esse uso. Escolhendo alguns traços de personalidade do construtor (traiçoeiro, paranóico, megalomaníaco, etc.) não só ajudará a determinar os traços gerais da dungeon, mas também um padrão que os andares e as salas deverão seguir.

Isso feito, vamos à dungeon em si. Usarei como exemplo um castelo em uma colina no meio de uma grande floresta, ok?

Há mil anos atrás, uma tribo local construiu uma fortificação de pedra para proteção, especialmente das mulheres e crianças. O local foi aproveitado por alguns anos e depois abandonado. Alguns séculos atrás, um mago tirano chamado Gunther Von Hagen tomou o local para si. Gunther trouxe consigo um grande grupo de orcs, que, a partir das velhas fundações, construiu o seu castelo, expandindo tanto para cima da terra quanto para baixo. Gunther habitou o castelo por quase 100 anos e lá morreu.

Os orcs continuaram habitando o castelo por quase 200 anos depois da morte de Gunther, sempre ameaçados pelos horríveis monstros que serviam de cobaia para os experimentos do mago. A quantidade de orcs reduziu muito e hoje o castelo é um local abandonado.

Agora vamos imaginar o visual da dungeon. Ora, Gunther era um mago, portanto pelo menos um nível da dungeon será dedicado a seu laboratório, sua biblioteca, seu depósito. Como Gunther fazia experiências em criaturas, um nível pelo menos será necessário para abrigar as muitas celas, salas de experimentos, depósitos para os alimentos dos monstros, dentre outras coisas.

Os níveis superiores da dungeon deverão ser dedicados ao espaço para abrigar centenas de orcs, com dormitórios, cozinhas, fossos, talvez até mesmo um templo para que os orcs adorassem seu deus. Aqui também teríamos um depósito de armas, sala de treinamento e equipamentos para a defesa do castelo.

Abaixo desses níveis, teríamos celas, câmaras de tortura e outros cômodos dedicados ao uso dos orcs. Nesses andares os corredores deverão ser largos, para que, em caso de um ataque, os orcs pudessem chegar rapidamente à superfície para defender o castelo.

Então começaria a parte privada de Gunther, inicialmente com labirintos, guaritas e armadilhas para interceptar intrusos, seguido dos aposentos subterrâneos do mago, com seu laboratório principal, cobaias e seu tesouro. Toda essa parte seria interligada por escadarias estreitas e é improvável que algo mais robusto consiga transitar com facilidade.

Provavelmente essa dungeon não teria mais do que 10 ou 15 níveis, além de alguns corredores e salas inacabadas e abandonadas, devido à morte de Gunther.

Nesse ponto nós já temos um propósito abstrato para cada um dos níveis da dungeon e não fizemos um risco sequer em um papel quadriculado! Tudo isso foi alcançado a partir de premissas básicas que levavam a conclusões tão básicas quanto. Neste momento estamos preparados para começar a esboçar algumas salas.

O próximo passo é fazer dois mapas gerais da dungeon, o primeiro fazendo um corte vertical na terra e o segundo fazendo um corte horizontal, para termos uma idéia geral da distribuição das salas, níveis e áreas particulares da dungeon, bem como as formas de conexão entre uma área e a outra, bem como uma explicação genérica sobre o clima e a motivação de cada um dos níveis.

Agora que já temos a estrutura básica pronta, resta apenas usar de toda a nossa crueltividade (palavra que acabei de inventar, misturando crueldade com criatividade, hehehe) para colocar em cada sala aquilo que é necessário.

Mas é claro que tudo dentro do planejado e dentro das informações que temos a respeito de Gunther Von Hagen: ele era um mago, ele fazia experiências com animais, ele utilizava orcs como servos. Só isso foi o suficiente para aproximadamente 10 níveis. Podemos ainda adicionar que Gunther era celibatário e recluso. Quanto mais detalhes tivermos sobre o construtor da dungeon, mais rica ela será.

As diversas características do construtor são capazes de adicionar outras tantas diversas características para a dungeon. Ele recebia visitantes? Ora, então precisamos de quartos para hospedá-los, bem como passagens secretas e formas de espionar esses malditos inconvenientes! Ele era um governante? Adicione uma sala do trono, sala de conferências e, claro, muitas passagens secretas (um governante que se preze tem seus meios de chegar e sair de qualquer parte de sua fortaleza de forma rápida e segura).

É claro que o nosso construtor precisa se alimentar, então uma cozinha é indispensável. Sabe, eu gosto de cozinhas. As possibilidades envolvendo cheiros, sons, cadáveres escondidos em caixas de gelo e eventuais animais predadores são de dar água na boca! (ok, péssimo, desculpem)

Uma dungeon bem construída tem formas de carregar ar fresco para os níveis mais inferiores. Geralmente tubos de ar são bem utilizados por construtores inteligentes. E explorados melhor ainda por DMs inteligentes. O interessante a respeito das tubulações de ar é a diversidade de ruídos que elas proporcionam, dependendo do vento lá fora, podendo variar desde um sinistro suspiro, talvez parecido com palavras sussurradas em uma lingua há muito tempo perdida, ate o assovio ensurdecedor de um vendaval.

Como um toque final, é interessante adicionar um templo religioso, seja de um deus do panteão do cenário, seja de um deus antigo e que já tenha caído no esquecimento. O templo em si pode, inclusive, ser um nível inteiro, dividido entre altar e sala de adoração, sala de rituais com adagas e outros instrumentos, confessionários, armários com robes para os cultistas, bibliotecas com tomos, grimórios e pergaminhos antigos, salas protegidas para invocação, dentre infinitas outras opções.

Bem, essas são apenas algumas idéias para construir uma dungeon um pouco mais detalhada, para fugir daquele padrão acéfalo da caverna-cheia-de-orcs-armadilhas-e-tesouros que há tanto tempo habitam nossas campanhas de D&D. É claro que nem toda dungeon merece ser tão detalhada ou até mesmo uma dungeon construída por um cientista insano sequer possa seguir qualquer tipo de padrão lógico, mas acredito que essas idéias podem contribuir para a construção de uma dungeon melhor para que seus jogadores façam o que fazem melhor: matar, pilhar e destruir.

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